O capitalismo nos atravessa o corpo e a alma e esse atravessar é sempre violento e desagregador. Não há quem escape. No caso do corpo da mulher há ainda a navalha do patriarcado em riste, disposta a expor-lhe as vísceras e, em assim sendo, a demonstrar o quanto é espaçoso, o quanto parece tomar um lugar no mundo o qual, supostamente, não deveria. Como uma espécie de Jack, o estripador, ele vem armado de sua lâmina e fazendo um grande estrago, coisa que é de todos sabida, coisa muito velha, mas que é combustível sempre renovável em seu pathos agressivo. É um pouco disso que trata a fabulação de Judite Canha Fernandes em A lista da mercearia, novela que fala sobre como o corpo da mulher, sua subjetividade e afetos são desde muito cedo dados em sacrifício a brutalidades de toda natureza. Uma história de silenciamentos e perdas. E é assim que Alice, a personagem principal, dona de uma condição atípica, um coração que não cabe dentro dela mesma, recompõe os fragmentos de sua vida. Esse coração simultaneamente físico e metafórico, pesado de mundo, atravessa a paisagem narrativa com seus medos, desejos, desencontros, com seu estado urgente e excessivo. Um “morango” ou “monstrinho nojento” marcando um território aberto, a contrapelo dos limites histórica, social e corporalmente impostos. Uma das vozes poéticas e narrativas mais interessantes de Portugal na contemporaneidade, Judite Canha Fernandes enreda o leitor em um labirinto construído com engenho e habilidade, no qual a voz da narradora se sobrepõe à voz de uma autora que gosta de itálicos diante de uma constelação de homens sempre iguais e diversos, uma sobreposição que muito bem lembra os movimentos de sístole e diástole. Tretas.
O capitalismo nos atravessa o corpo e a alma e esse atravessar é sempre violento e desagregador. Não há quem escape. No caso do corpo da mulher há ainda a navalha do patriarcado em riste, disposta a expor-lhe as vísceras e, em assim sendo, a demonstrar o quanto é espaçoso, o quanto parece tomar um lugar no mundo o qual, supostamente, não deveria. Como uma espécie de Jack, o estripador, ele vem armado de sua lâmina e fazendo um grande estrago, coisa que é de todos sabida, coisa muito velha, mas que é combustível sempre renovável em seu pathos agressivo. É um pouco disso que trata a fabulação de Judite Canha Fernandes em A lista da mercearia, novela que fala sobre como o corpo da mulher, sua subjetividade e afetos são desde muito cedo dados em sacrifício a brutalidades de toda natureza. Uma história de silenciamentos e perdas. E é assim que Alice, a personagem principal, dona de uma condição atípica, um coração que não cabe dentro dela mesma, recompõe os fragmentos de sua vida. Esse coração simultaneamente físico e metafórico, pesado de mundo, atravessa a paisagem narrativa com seus medos, desejos, desencontros, com seu estado urgente e excessivo. Um “morango” ou “monstrinho nojento” marcando um território aberto, a contrapelo dos limites histórica, social e corporalmente impostos. Uma das vozes poéticas e narrativas mais interessantes de Portugal na contemporaneidade, Judite Canha Fernandes enreda o leitor em um labirinto construído com engenho e habilidade, no qual a voz da narradora se sobrepõe à voz de uma autora que gosta de itálicos diante de uma constelação de homens sempre iguais e diversos, uma sobreposição que muito bem lembra os movimentos de sístole e diástole. Tretas.